quarta-feira, 26 de setembro de 2007

VII

No quinto dia, sempre graças ao carneiro, este segredo da vida do pequeno príncipe me foi de súbito revelado.
Pergunto
-me, sem preâmbulo, como se fora o fruto de um problema muito tempo meditado em silêncio:
- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que tenham espinho?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então... para que servem os espinhos?
Eu não sabia.
Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado.
Minha pane começava parecer demasiado grave, e em, breve já não teria água para beber... - Para que servem os espinhos?
O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito.
Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinho não serve para nada.
São pura maldade das flores.
- Oh! Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie de rancor:
- Não acredito!
As flores são fracas.
Ingênuas.
Defendem-se como podem.
Elas se julgam terríveis com os seus espinhos...
Não respondi.
Naquele instante eu pensava: "Se esse parafuso ainda resiste, vou fazê-lo saltar a martelo".
O principezinho perturbou-me de novo as reflexões:
- E tu pensas então que as flores...
- Ora! Eu não penso nada.
Eu respondi qualquer coisa.
Eu só me ocupo com coisas sérias!
Ele olhou-me estupefato:
- Coisas sérias!
Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio objeto.
- Tu falas como as pessoas grandes!
Senti um pouco de vergonha.
Mas ele acrescentou, implacável:
- Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo!
Estava realmente muito irritado.
Sacudia ao vento cabelos de ouro:
- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo.
Nunca cheirou uma flor.
Nunca olhou uma estrela.
Nunca amou ninguém.
Nunca fez outra coisa senão somas.
E o dia todo repete como tu: "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!" e isso o faz inchar-se de orgulho.
Mas ele não é um homem; é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!
O principezinho estava agora pálido de cólera.
- Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam espinhos.
Há milhões e milhões de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo.
E não será sério procurar compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis?
Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores?
Não será mais importante que as contas do tal sujeito?
E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz,
- isto não tem importância?!
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla.
Ele pensa: "Minha flor está lá, nalgum lugar..."
Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! E isto não tem importância!
Não pôde dizer mais nada.
Pôs-se bruscamente a soluçar.
A noite caíra.
Larguei as ferramentas.
Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte.
Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar!
Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe dizia: "A flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma pequena mordaça para o carneiro... Uma armadura para a flor... Eu...".
Eu não sabia o que dizer.
Sentia-me desajeitado.
Não sabia como atingi-lo, onde encontrá-lo...
É tão misterioso, o país das lágrimas!